O britânico Michael Payne foi um dos principais cartolas do esporte olímpico durante mais de duas décadas.
Diretor de marketing e direitos de transmissão do COI (Comitê Olímpico Internacional) entre 1983 e 2004, ele é apontado como responsável pela ressurreição da entidade.
Foi após sua entrada que o comitê deixou de fechar ano após ano no vermelho, lançou um bem-sucedido programa de parceria com patrocinadores e se tornou uma referência em padrão de qualidade.
Depois de deixá-lo, Payne trabalhou por muitos anos como executivo da Fórmula 1 e, atualmente, dirige sua própria consultoria de marketing.
Ainda assim, segue amplamente ligado à Olimpíada. Atuou, inclusive, como consultor especial da campanha de candidatura da Rio-2016.
A relação com a organização carioca não o impede de fazer críticas e apontar os motivos que fizeram o COI, após sucessivos problemas, interferir na preparação para o evento.
Ainda assim, ele acredita que se os organizadores da Rio-2016 derem uma resposta agora para o COI, ainda será possível fazer uma boa Olimpíada. “Mas eles precisam parar de falar que vão fazer alguma coisa, e realmente fazer alguma coisa.”
Confira a entrevista, concedida por telefone.
Qual avaliação o senhor faz da organização de 2016?
Eu acredito que a liderança do COI ainda acha que o Rio é capaz de realizar grandes Jogos Olímpicos. O cenário, a história do Rio e do Brasil, enfim, tudo o que levou à escolha da cidade para 2016 ainda representa uma grande história. Mas é, inquestionavelmente, e de longe, a organização mais atrasada entre todas as [Olimpíadas] anteriores. O COI enfrenta atualmente sua pior crise operacional nos últimos 30 anos. Não é uma opinião, é algo comentado e compartilhado por muitas pessoas de dentro da própria entidade.
O que o senhor achou da intervenção do COI?
As pessoas fazem muitas comparações com o que ocorreu em Atenas-2004. Mas na Grécia o COI tomou uma atitude emergencial quatro anos antes. Agora restam apenas dois anos para o Rio e a situação se tornou muito séria.
Acha que um fracasso olímpico pode manchar não só a imagem do Brasil, mas também do COI?
Os Jogos Olímpicos de Verão só ocorrem a cada quatro anos. O COI tem como missão assegurar que o evento seja o mais bem-sucedido possível. Não é como uma temporada de Fórmula 1. Se um GP de F-1 não dá certo, logo haverá outra etapa e em um mês tudo está esquecido. Agora, imagine uma edição fracassada de uma Olimpíada. São quatro anos para se lamentar os erros.
As reações do COI vão nessa direção?
A relação mais próxima do Rio é com Atlanta-1996, quando houve problemas fundamentais de organização. Aqueles defeitos tiveram alcance mundial e geraram um impacto negativo para a Olimpíada. Naquela época, eu e outros dois diretores recebemos ordens expressas de ninguém menos que [o ex-presidente do COI, Juan Antonio] Samaranch para que garantíssemos que nunca mais houvesse um desastre como o de Atlanta. O COI é o dono da franquia da Olimpíada e tem de protegê-la. No caso do Rio, com tantos atrasos, o COI tomará medidas necessárias para resguardá-la.
O senhor acha que o COI se lamenta pela escolha do Rio?
Eu fui muito envolvido com a candidatura do Rio. Até hoje acredito que a decisão de conceder os Jogos ao Rio foi correta. O Rio tinha, de longe, a melhor história. Mas também é preciso que suas autoridades tenham um senso de urgência. É possível ter grandes histórias a serem contadas em lugares paradisíacos, que o Rio tem aos montes. Se não houver, porém, instalações para se competir, não vai adiantar.
Acha que o Rio conseguirá cumprir os prazos que programou?
O problema é que não basta apenas construir os estádios. É fundamental de ter toda a operação pronta para coordenar 28 Campeonatos Mundiais ao mesmo tempo. A razão por que os Jogos de Atlanta falharam na área operacional é que seus organizadores ainda planejavam detalhes depois da cerimônia de abertura. Na segunda semana, tudo já estava comprometido. Por isso o COI é tão rígido em relação a eventos-teste e à determinação de que tudo deve estar pronto três meses antes da abertura. Leva tempo para fazer cabeamento, iluminação, energia. Tudo isso passa ao largo, ninguém vê. Mas é fundamental.
Em que momento o senhor acha que a situação desandou?
Na candidatura, uma das coisas que surpreenderam positivamente o COI foi saber quão forte era o laço entre a comunidade olímpica encabeçada por [Carlos Arthur] Nuzman, o governo e a prefeitura do Rio e o governo federal. Parecia um time fortemente unido, em um nível que o COI raramente via. Mas aquela imagem de união dada ao COI se perdeu. Depois conquistar o direito de sediar a Olimpíada, é natural os organizadores pensarem “ok, temos sete anos pela frente”. Mas não se podia perder um minuto sequer na divisão das tarefas.
Nuzman preside o Comitê Olímpico Brasileiro e a Rio-2016. Esse acúmulo é prejudicial?
A presidência do comitê organizador de uma Olimpíada é uma das posições mais complexas que existem. Nenhum presidente de comitê organizador olímpico, ao menos em minha memória, também presidia o comitê olímpico nacional do país-sede.
Considera uma prática ruim?
Não cabe a mim julgar. Mas pergunte a si mesmo por que isso nunca foi feito antes.
O COI é uma instituição reservada, mas como o senhor imagina que estão os bastidores da entidade?
O COI não tem outra alternativa a não ser fazer a coisa acontecer no Rio. Ele nunca foi dado a embaraçar parceiros e patrocinadores em públicos, qualquer fosse o problema. Independentemente disso, há algum tempo seria quase inimaginável que a associação de federações internacionais se manifestasse como fez em relação ao Rio. Se o COI não intercedesse agora, como fez, seria considerado irresponsável por todo o restante do movimento olímpico.
O senhor disse que o COI “ainda” tinha esperança de que o Rio organizasse grandes Jogos. Existe algum risco de ela não acontecer?
Agora a Olimpíada tem de acontecer. Em 2016, irão ao Rio 204 países, mais de dez mil atletas. Eu não consigo imaginar que, com os debates em relação à Copa e às eleições presidenciais, os líderes sejam tão irresponsáveis a ponto de não se dedicar com tudo à organização da Olimpíada. Caso os atrasos continuem, vai chegar um momento em que mesmo todo o dinheiro do mundo não será suficiente para aprontar as coisas.
O que tem achado dos problemas de organização da Copa?
Com todo o respeito à Copa, organizar uma Olimpíada é algo muito mais complexo. A Copa tem 64 jogos, ou seja, são 128 horas de transmissão esportiva ao vivo. A Olimpíada tem quatro mil horas. A Copa é muito mais sobre os 64 jogos e o que ocorre dentro de campo. A Olimpíada é muito mais em relação ao país e à população. Como o Brasil gostaria de ser lembrado quando chegar sua hora de subir ao palco? Se der tudo certo, ninguém se lembrará dos problemas. Mas, se fracassar, essa mácula continuará por muito tempo.
Os Jogos de Inverno de Sochi eram vistos com desconfiança e tiveram sucesso. O Rio não está em situação semelhante?
Sochi foi um problema enorme, mas no fim foi bem-sucedido e os Jogos serão lembrados. Houve uma razão para que dessem certo: [Vladimir] Putin. Não estou dizendo que Dilma [Rousseff] tem de fazer o mesmo, mas é preciso que alguém da cúpula governamental se apresente e coordene as ações.
Acha que haverá protestos populares contra a Olimpíada?
Eu espero que não. Na minha opinião, os protestos vistos em 2013 [durante a Copa das Confederações] estavam muito mais ligados ao desperdício de dinheiro em instalações cujo uso não é garantido após a Copa. Eu acho que seria plenamente possível fazer a Copa em oito estádios. Não tenho nada contra Manaus, mas é preciso verificar qual é o planejamento de legado. O COI sempre foi muito apegado a legado e até sugere a organizadores de Olimpíadas a montarem instalações temporárias e não permanentes, para evitar desperdício. A Copa foi em um rumo diferente.