O movimento paraolímpico não fechará as portas a Pistorius, diz vice do Comitê Internacional

Por Paulo Roberto Conde
O vice-presidente do Comitê Paraolímpico Internacional, Andrew Parsons (Crédito: Marcelo Justo/Folhapress)
O vice-presidente do Comitê Paraolímpico Internacional, Andrew Parsons (Crédito: Marcelo Justo/Folhapress)

Além de presidir o Comitê Paraolímpico Brasileiro, o carioca Andrew Parsons é vice do Comitê Paraolímpico Internacional, cargo para o qual foi eleito em novembro de 2013.

Desde que ascendeu ao posto de segundo dirigente mais importante do movimento paraolímpico, teve de lidar com o turbilhão de notícias que envolvem o principal astro do esporte na história: o sul-africano Oscar Pistorius.

Dono de seis medalhas douradas em Jogos Paraolímpicos e pioneiro ao correr contra atletas sem deficiência ou necessidades especiais, Pistorius disparou diversos tiros de sua 9 milímetros na noite de 14 de fevereiro de 2013 e matou sua namorada, a modelo Reeva Steenkamp, em sua residência em Pretória.

Pistorius alegou ter pensado que sua casa havia sido invadida por bandidos para caminhar até o banheiro e efetuar os tiros.

Depois daquilo, a vida do sul-africano, primeiro homem na história do atletismo a disputar os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos na mesma edição (Londres-2012), mudou. A do movimento paraolímpico também.

Pistorius nunca mais pôs os pés na pista.

Neste mês de setembro, foi inocentado das acusações mais graves que pesavam sobre ele em relação ao assassinato de Reeva (premeditação e dolo) e escapou da prisão perpétua. Mas foi condenado por homicídio culposo (sem intenção de matar). Sua sentença sairá no dia 13 de outubro e ele pode tanto pagar multa quanto pegar 15 anos de detenção.

Parsons e a cúpula do Comitê Paraolímpico Internacional acompanham tudo de perto para saber qual será o desfecho de seu maior astro.

Neste entrevista à Folha, o brasileiro diz que acha injusto apagar tudo o que Pistorius fez pelo esporte até e que ele poderá voltar a competir e não terá portas fechadas se não for preso e obtiver índices.

Também acha que o polêmico caso não mancha a imagem do movimento paraolímpico. Confira a integra:

Qual foi a política do Comitê Paraolímpico Internacional em relação ao escândalo envolvendo Oscar Pistorius?

É um assunto que desde o fato em si foi muito debatido dentro do comitê executivo. Na questão legal, optamos por não emitir opinião, até porque fica fora do lado esportivo. Mas sempre foi dito isso: que ele resolvendo a questão judicial não há uma regra esportiva que o impeça de voltar a competir. Se ele quiser. Não se pode apagar o que ele fez antes do crime. É impossível. O Pistorius foi o maior nome do movimento paraolímpico até [os Jogos Paraolímpicos de] Londres. Ele era “o” atleta paraolímpico do mundo, globalmente conhecido. Eu sempre comparo e digo que o [nadador brasileiro] Daniel Dias é muito conhecido aqui, o [cadeirante britânico] David Weir é muito conhecido na Grã-Bretanha, mas o Pistorius era um atleta conhecido globalmente. Apagar o que ele fez não é justo, do ponto de vista do significado dele para o movimento paraolímpico. E o movimento está de portas abertas para todo mundo que tenha elegibilidade para competir. Se Pistorius tiver, não será para ele que o movimento paraolímpico fechará as portas. Não houve uma movimentação específica, mas é um assunto que vem sendo debatido e conversado dentro do comitê executivo desde que aconteceu.

O sul-africano Oscar Pistorius chega a tribunal de Pretória para seu julgamento no dia 12 de setembro (Crédito: Xinhua/Whitehotpix/ZUMA Wire/ZUMAPRESS)
O sul-africano Oscar Pistorius chega a tribunal de Pretória para seu julgamento no dia 12 de setembro (Crédito: Xinhua/Whitehotpix/ZUMA Wire/ZUMAPRESS)

Há um lado intangível que é a reação de público. O Comitê Paraolímpico Internacional teme que a presença de Pistorius possa gerar algum tipo de mal estar ou saia justa?

Não é um temor. Mas é uma reação que o público pode ter. Acho que da parte dos atletas e das outras delegações não vai haver. De todos, ele [Pistorius] será mais um atleta. Com um passado conhecido por todos. Não acredito em reação ou saia justa por parte do movimento paraolímpico em si. Por parte do público, aí fica difícil de avaliar. Vai depender das competições e da pena a ser imposta. Homicídio culposo pode ir de uma multa até 15 anos de reclusão. É preciso esperar o anúncio da pena para poder medir. Ele quer participar da Rio-2016? Ele quer voltar a competir? São muitas perguntas, que só vão ser respondidas com o tempo. Mas a reação do público é imprevisível.

Pistorius perdeu patrocinadores pessoais. Você acha que a volta dele pode ocasionar uma fuga semelhante de patrocinadores ao movimento paraolímpico?

Acho que não. Ele é um atleta, não é o movimento. Hoje temos outros atletas com nomes conhecidos ao redor do mundo. Não vejo que ele possa causar nenhum afastamento de atuais patrocinadores ou até de possíveis patrocinadores ou de interesse de meios de comunicação no paraolimpismo como um todo. Acho que uma coisa é ele perder os patrocinadores, é uma coisa óbvia. Se isso acontece em caso de doping, em um caso complicado como esse vai acontecer também. Nenhum patrocinador vai querer ter seu nome associado a um fato triste como este. Mas eu não acredito que vá afastar e nem que vá, de certa forma, expandir uma imagem ruim que as pessoas possam vir a ter com outros atletas. Temos atletas com qualidade, carisma e potencial de mercado que facilmente vão sobressair nessa questão do Pistorius.

O Comitê Paraolímpico Internacional, durante este um ano e meio do crime, chegou a se manifestar, procurar a família de Pistorius ou de Reeva Steenkamp para conversar ou ficou à espera?

Saiu da nossa esfera e entrou em uma esfera criminal e legal que não cabia ao comitê fazer nada. Só acompanhamos o caso, evitamos qualquer dano ao movimento paraolímpico e reafirmamos que o movimento é maior do que qualquer atleta. Ele continua, independentemente do que aconteceu. E [o comitê quer] desejar alívio aos corações da família da Reeva. O comitê se limitou a ter esse tipo de atitude. Até porque saiu da esfera esportiva.

Essa crise danificou a imagem do esporte paraolímpico?

Acho que não. É um indivíduo. A questão dele foi fora do esporte, causou surpresa. O Pistorius, dentro do movimento paraolímpico, sempre foi visto como uma pessoa extremamente educada, eu diria até um cavalheiro. Depois, pela imprensa, começamos a saber de outros casos e ele passou a ser percebido como uma pessoa diferente, que tem a cabeça quente, que gosta de andar armado. Isso surpreendeu. Mas eu não acredito que esse episódio todo tenha potencial para causar dano ao movimento paraolímpico. As pessoas percebem que é uma pessoa, um indivíduo, que cometeu o crime e deu quatro tiros na namorada. Óbvio que não é positivo, sobretudo no que diz respeito a oportunidades perdidas. Depois do que aconteceu em Londres, com o Alan [Fonteles] ganhando do Pistorius, e os Jogos do Rio, seria possível fazer uma série de ações e promoções ao redor do nome dele, e isso ficou impossível. Mas acho que o impacto é mais de oportunidades perdidas. Não acho que afetou a imagem do movimento paraolímpico como um todo. Ela é extremamente positiva. O movimento é maior do que qualquer atleta, seja ele quem for.

Você acha que Pistorius voltará a competir?

É difícil prever. Há o lado não apenas psicológico, mas da estratégia de vida dele. É óbvio que, podemos perceber, muita gente não ficou satisfeita com o resultado do caso. Então, ele tem que pesar muitas coisas. Não tenho nenhum palpite. É muito difícil se colocar na situação em que ele se encontra hoje.