Entre uma orientação em portunhol e outra, Justo Navarro coloca os fones no ouvido e escuta, pelo celular, a boa e velha salsa da ilha onde nasceu.
O cubano é responsável por sete atletas de arremesso de peso da seleção brasileira, entre eles Geisa Arcanjo, 23, 7ª colocada na Olimpíada de Londres, em 2012.
O “prôfe”, como Geisa o chama, a orienta desde a conquista do título mundial juvenil de 2010 –que a atleta são-roquense perdeu devido ao doping (diurético).
Uma relação de muita cobrança mas também de carinho entre ambos. Tanto que Navarro diz que, se estivesse no Brasil em janeiro deste ano, quando Geisa decidiu abandonar o atletismo, talvez o rumo tivesse sido diferente.
“Eu não esperava. Ela não teve coragem de me dizer cara a cara. Se fosse em uma conversa pessoalmente, eu não deixaria”, afirma o cubano.
“Prôfe” estava em Havana, onde a família ainda mora. Visita que ele faz anualmente, durante as férias. Navarro tem contrato com a CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo), em acordo com a instituição cubana de esportes.
Por ser técnico contratado pela CBAt, seus atletas podem arremessar no centro de treinamento da BM&F (patrocinadora da seleção), em São Caetano do Sul. “Este é o centro com mais condições do Brasil”, avalia.
Mesmo com as melhores condições possíveis, porém, Geisa abandonou o esporte. Segundo Navarro, algo que a prejudicou mas também deu uma lição.
“Tem que acontecer algumas coisas para as pessoas amadurecerem. Foi importante para ela pensar e comparar sua vida dentro e fora do esporte”, diz.
Geisa está na seleção desde os 15 anos. Como é comum acontecer em Cuba, ela sempre treinou em centros de alto rendimento. O que traz um ônus também.
“Geisa foi uma menina que sempre ficou em centro de alto rendimento. Falamos em Cuba que, quando o atleta cresce em centros de alto rendimento, ele não conhecem o mundo. Lá tem tudo, almoço, jantar, médico, mas a vida é um pouco diferente. Mas a vida é diferente, tem a dureza da rua. Tem que trabalhar e, se não alcança dinheiro, descobre que não é como pensava”, explica.
Geisa ficou mais de quatro meses afastada totalmente do esporte, foi morar com a noiva em Uberlândia (onde começou a treinar com Navarro) e trabalhar como atendente de telemarketing. Se arrependeu, pediu desculpas e voltou. Retornou às competições no segundo semestre deste ano, mas ainda tem muito a recuperar, segundo seu técnico.
“Ela perdeu muita credibilidade. Ela foi embora sem nenhum problema com treinador ou com o esporte. Não é comum isso. Foi problema pessoal. Eu a recebi da mesma forma, igual. O nível baixou, sim. Foram quase cinco meses sem fazer nada, com uma vida normal”, lembra o cubano, repetindo palavras de Geisa, que afirmou: “Querer ser uma pessoa normal acabou comigo”.
Agora a meta é fazer com que Geisa volte a arremessar mais de 19 metros. Nos Jogos Olímpicos ela arremessou 19,02 m, seu recorde pessoal. Vai precisar melhorar o feito para voltar a ser finalista olímpica no Rio, em 2016.
“Ser finalista é o mínimo. Se arremessar 20 metros, deve estar entre a 1ª e a 4ª colocadas. Trabalhamos para arremessar mais de 19,50 m. Tem que fazer, é o objetivo para o qual estamos trabalhamos”, diz Navarro, que já pensa nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, em 2015.
“O Pan é um termômetro para medir o nível para o ano olímpico. Em algumas disciplinas, sim, em outras, não. No peso é, sim. Pelas cubanas, norte-americanas e outras. É um bom nível o pan-americano”.
O “prôfe”, como o esporte, está disposto a dar outra chance a Geisa.