Qatar quer provar que pode ter Copa no verão; inverno beneficia a torcida

Por Marcel Merguizo

O Qatar quer provar que pode. Pode construir quantos estádios, arenas e circuitos forem necessários. Pode organizar todos Mundiais de qualquer modalidade. E pode, assim, se tornar a capital mundial do esporte. Poder, até pode. Precisa combinar com os russos, ingleses, suíços… Por esse motivo, a Fifa quer a Copa do Mundo de 2022 em novembro e dezembro.

O Qatar pagaria (não confunda com subornaria) para Copa ser no verão se precisasse. É cara (eles não revelam valores), mas já há no pequeno e riquíssimo emirado tecnologia para refrescar a cuca e o corpo de quem se preocupa com as elevadas temperaturas do país do Golfo Pérsico.

Hoje já existe um estádio de futebol com ar-condicionado para os jogadores e os torcedores. Por que não construir 12 (como proposto na candidatura) ou oito (o mais provável hoje) para a Copa-2022? Dinheiro, petróleo e gás natural não faltarão até lá.

A Folha esteve no estádio do Al-Sadd há menos de um mês, mesmo em período de parada no campeonato local. A arena do clube mais vitorioso do futebol qatari fica em Doha, capital do país, e tem capacidade para cerca de 17 mil torcedores.

Ar-condicionado individualizado para os torcedores, embaixo das cadeiras do estádio do Al-Sadd, no Qatar (Marcel Merguizo/Folhapress)
Ar-condicionado individualizado para os torcedores, embaixo das cadeiras do estádio do Al-Sadd, no Qatar (Marcel Merguizo/Folhapress)

O modelo do Jassim Bin Hamad, fora do projeto da Copa, não seria nada inovador em relação a pequenos mas modernos estádios se não fosse pelas pequenas saídas de ar-condicionado instaladas embaixo de todas as cadeiras da arquibancada. Para os jogadores, são grande tubulações que levam a temperatura mais amena para dentro do campo.

E o estádio não é totalmente coberto. Aliás, tem cobertura para as arquibancadas mas é aberto no perímetro do campo, como todos os outros quatro que já tiveram seus projetos divulgados pelos árabes.

Estádio do Al-Sadd, em Doha, no Qatar, que já conta com ar-condicionado para as arquibancadas e para o campo (Marcel Merguizo/Folhapress)
Estádio do Al-Sadd, em Doha, no Qatar, que já conta com ar-condicionado para as arquibancadas e para o campo (Marcel Merguizo/Folhapress)

Em janeiro deste ano, na apresentação da atualização dos projetos a Copa, onde foram mostrados os desenhos de quatro dos estádios do Mundial, técnicos que trabalham para o Comitê Supremo de Entrega e Legado disseram à Folha que é possível ter ar-condicionado em todos os 64 locais de treinamento e e os oito ou 12 de jogos com temperatura no campo e nas arquibancadas perto dos 26º.

No período do Mundial masculino de handebol, que aconteceu entre janeiro e fevereiro, as temperaturas no país variavam de 13ºC (à noite) até 28ºC (no meio do dia), com uma média de 24ºC durante tardes e manhãs. O clima é similar aos meses de novembro e dezembro, quando a Fifa deseja realizar a Copa.

Já no verão, as temporaturas no Qatar podem chegar até a 50ºC.

Mas, para mostrar que conseguiriam realizar o Mundial até mesmo nos meses de junho e julho, o Qatar usa a experiência da Fan Fest que organizaram em Doha durante a Copa de 2014.

Houve dois locais de concentração da torcida local para assistir ao Mundial no Brasil. Em um deles, para cerca de 13 mil torcedores, dizem que enquanto a temperatura externa era de 41ºC, internamente a festa fechada era organizada com 22ºC.

“Nós estamos convencidos em realizar no verão. Estamos confiantes em realizar em qualquer época”, afirmou o diretor-executivo de comunicação e marketing do comitê qatari, Nasser Al Khater, há menos de um mês.

O zagueiro Domingos (aquele), ex-Santos e há três anos jogando no futebol do Qatar, brincou quando questionado sobre o clima desértico no país durante o verão.

“Estou acostumado com o calor do Nordeste, da Bahia. Mas aqui quando chega a 48 é um pouco quente. Tem jogo nessa época [junho e julho] mas é às sete ou oito da noite. E tem estádio com ar-condicionado [o do Al-Sadd], aí você não sente tanto o calor”, disse o baiano do Al-Kharitiyath.

E a torcida? Este talvez seja o acerto da Fifa ao escolher o fim do ano como período da Copa.

Hoje, ao passear pelas ruas de Doha, quase não se vê pedestres. Mesmo no inverno. A cultura local é ir aos shoppings, passear em grandes carros e frequentar grandes restaurantes (ou seja, onde há ar-condicionado). Já os estrangeiros (maioria no país, cerca de 80% da população) ficam mais tempo nos hotéis (que tem praias particulares onde se pode ficar com pouca roupa e se vende bebidas alcoólicas, dois hábitos proibidos aos muçulmanos) do que circulando pela cidade, o que no verão é quase impossível.

Assim, a Fifa abre, no mínimo, a chance de as torcidas se encontrarem nas ruas, no calçadão na beira da baía de Doha, nos bairros planejados (para os ricos). Enfim, cria a possibilidade de festa em uma Copa compacta, com estádios muito perto um dos outros e concentração de turistas em praticamente um local: Doha.

Se não, será a Copa do hotel-metrô-estádio-metrô-hotel. Hoje há zero quilômetro de metrô nno Qatar, mas em sete anos eles prometem construir mais de 200 km, o dobro do que tem São Paulo, por exemplo. E as grandes obras (leia-se crateras, guindastes e poeira) já podem ser vistas em alta velocidade no país.

Aliás, no caminho entra a porta do metrô e o estádio, o Qatar também diz poder fazer trechos com ar-condicionado (isso, ao ar livre), com espécies de túneis de frio saindo na direção dos torcedores. Aparentemente, não vai precisar… Então podem gastar ainda mais dinheiro com as obras para a Copa-2022, para o Mundial de atletismo (que já conseguiram para 2019), para o de basquete (que desejam ter no mesmo ano) ou ou mais de 50 eventos esportivos anuais que planejam organizar até até os Jogos Olímpicos de 2024, para os quais devem apresentar candidatura ainda este ano.

No mundo árabe, querer e poder nem sempre estão na mesma órbita.

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