Acabou! Foi o que veio à cabeça quando me dei conta que tinha perdido minha mochila.
Na cobertura de um grande evento esportivo, em uma viagem à trabalho que dura dias e dias seguidos, a mochila é uma extensão do corpo do repórter. É o escritório nas costas. É o cinto do Batman. É a sensação de ter se tornado uma Tartaruga Ninja com o casco preso ao corpo.
De repente, perdi. Um milímetro de desatenção e pisei fora do tablado da ginástica. Um segundo de desconcentração e não encaixei o salto com a vara. Um suspiro e não encostei as duas mãos na borda da piscina.
Fui roubado. Claro! É mais fácil culpar o outro do que a si mesmo. É assim no esporte. É assim na vida.
Câmera, laptop, bloquinho de anotações, gravador, levantamentos, entrevistas, personagens, histórias que ainda não contei estão naquela mochila e agora ela está vagando por Toronto sem seu dono. To-ron-to! Ca-na-dá! “Ninguém rouba uma mochila assim aqui”, dizem os locais (que na maioria das vezes não são originalmente locais mas já se sentem como tais).
Mas se o sistema de transporte e de internet na maior cidade canadense falham, por que não falharia a segurança?
“Sim, eu a trouxe aqui”. “Sim, eu lembro dela ali na cadeira”. “Sim, faz cinco minutos que a vi onde eu a deixei”. Segue o interrogatório dos amigos, com investigação mais profunda do que de alguns casos de abuso sexual que ocorrem por aí.
“The Distillery District”. Local que inspiraria até sir Arthur Conan Doyle. Dentro da Casa Brasil. Noite regada a cerveja, caipirinha, refrigerante e água, com cachorro-quente e brigadeiro da famosa chef Roberta Sudbrack.
Segurança, garçom, DJ, atletas, imprensa. A lista de convidados (leia-se: suspeitos) é grande. É o QG do Comitê Olímpico do Brasil. E por alguns minutos a preocupação com as medalhas está em segundo plano. Só se quer saber da mochila. Então um detalhe transforma um quarto lugar em pódio, uma prata em ouro.
“Era verde, cinza e preta. Grande. Com uns pins do lado”. “Pins? Quantos?”, pergunta Marcus Vinicius Freire, diretor executivo de esportes do COB e, nas noites vagas, o Luciano Huck da Casa Brasil.
“Bob, o colecionador de pins, estava aqui, ele deve lembrar da sua mochila”, diz, já enviando uma mensagem.
Em Jogos Pan-Americanos é assim, por melhor que você esteja sempre pode haver um americano até então desconhecido que te leva algo, um ouro, uma prata, um bronze, uma vaga olímpica ou uma mochila.
Bob, o colecionador de pins, retorna à festa. A mochila já está nas mãos do segurança. Bob, o colecionador de pins, se desculpa. Culpa as caipirinhas. Que americano resiste à combinação hot dog com capirinha?
E o Pan continua.
Inesquecível como uma mochila.
Pan do recorde de Thiago Pereira (podemos esquecer que foi sem nenhuma marca ou ouro significante?). Pan das musas (esqueça que nenhuma delas saiu de Toronto sem ouro?). Pan do “goleiro de polo aquático” (vão esquecer o nome dele e do caso mal explicado?). Pan do goleiro de handebol (como Maik vai esquecer uma atuação primorosa, inclusive na prorrogação, com título sobre a Argentina?). Pan de Isaquias Queiroz e Ana Sátila (inesquecível a canoagem brasileira e a distância onde foram realizadas as disputas). Pan da meta igualada (141 medalhas, sem esquecer que foram menos ouros). Pan que o atletismo (principalmente!), a vela, o boxe, o triatlo, o nado sincronizado, o vôlei, o vôlei de praia querem esquecer. Pan que o hóquei sobre grama, o tênis de mesa, o tiro, o rúgbi, o badminton, a esgrima, o handebol não vão querer esquecer.
Pan em que Cuba balançou (ninguém esquece o trocadilho). Pan da mini-Nova York (Toronto, cidade para morar, ao menos no verão). Pan do vento forte em todos os lugares (só esqueceu de aparecer na vela). Pan de Chapolins, de Bradesco e Nike pagando dívida do basquete, das mulheres brasileiras em alta, dos estrangeiros-contratados-naturalizados-brasileiros, da Geração Nanquim, da mineira presidente do handebol canadense, do ginasta guatemalteco, de Arthur zanetti, de Flavinha mascote-da-delegação Saraiva, de Yane Marques, do Magnano, da Etine, da Alexandra, da Formiga e, para não esquecer nenhum nome, o Pan da continência.
Daqui a 20 ou 30 anos será um Pan inesquecível como foi para o basquete masculino o de Indianápolis-1987 e para o feminino o de Havana-1991? Melhor, pior, vale mais ou vale menos, Pan-Olímpico ou Pan-Jogos-Abertos?
Não se esquece um Pan. Por mais esquecível que sejam parte ou o todo de alguns deles. Assim como não se esquece uma mochila. O que há ali dentro só o dono de cada ouro, de cada medalha, de cada marca, de cada recorde das Américas, de cada último lugar com melhor tempo da carreira, de cada superação ao terminar a prova, só o dono de cada pin sabe o exato valor que ele tem.