A arma está com elas. Não apenas nas mãos, mas nos ideais, nas vozes, nas atitudes. O blog Olímpicos, então, convida a atleta Karina Lakerbai* para contar neste espaço por que #AgoraÉQueSãoElas. Porque é direto delas. Porque a luta é maior do que a pela vaga olímpica empunhando um sabre, é no combate diário nesta árdua e bela modalidade: ser mulher. Touché!
“As mulheres têm ganhado espaço para falar da violência que sofreram e sofrem diariamente. Desde a #meuprimeiroassedio, passando pela violência do projeto de lei do Eduardo Cunha, até entrar na polêmica do tema da redação do ENEM. Em geral, é aquela que enxergamos com mais facilidade, a física. Gostaria de aproveitar o espaço para falar de um tipo de violência contra a mulher que todos nós contribuímos diariamente sem nos darmos conta: desvalorizando os difíceis espaços conquistados. No meu caso, a perspectiva que me cabe nesse momento, na véspera da Olimpíada, é um olhar para o esporte.
Sou atleta de esgrima, esporte presente desde a primeira Olimpíada. Ele é composto por três modalidades: sabre, espada e florete. Infelizmente, não nessa ordem, do ponto de vista óbvio de uma sabrista. A primeira Olimpíada aconteceu em Atenas, em 1896, a primeira participação feminina foi no florete em 1924, quase três décadas depois. A primeira participação do sabre feminino em Olimpíadas foi em 2004, também em Atenas. Seria uma coincidência memorável se não fosse um argumento trágico. Não preciso fazer a conta por vocês.
O que é importante dizer sobre essa primeira Olimpíada é que o Brasil classificou uma atleta, ou talvez seja melhor dizer que a atleta classificou o Brasil, diante do investimento da época: Élora Pattaro. Um simples Google levará vocês para todas as notícias subsequentes dessa conquista histórica. Gosto desse exemplo por ser uma mulher num esporte pouco conhecido no Brasil. Há três dias, num voo de Paris para São Paulo, após uma Copa do Mundo, quando perceberam que eu era atleta, logo perguntaram a modalidade, o comentário que veio foi: “Nossa, e como você consegue praticar esgrima num país que não tem neve”. A mais memorável foi quando um taxista disse: “Nossa, esgrima, que legal! E você não tem medo de cair do cavalo?”. Meu ponto é, num país em que o esporte é pouco conhecido, tivemos uma participação olímpica conquistada logo na primeira edição.
Mas quantas não foram as conquistas de outras mulheres no esporte?! Para simplificar a história, vou partir para um exemplo simples na modalidade que é conhecida com a paixão nacional: o futebol. No futebol feminino temos a Marta eleita pela FIFA, por cinco anos consecutivos, como a melhor jogadora de futebol do PLANETA. Quando foi a primeira ou a última vez que viram uma entrevista com ela? Tenho que dizer que ELAS medalharam em competições importantíssimas nos últimos 8 anos, inclusive Copa do Mundo. Contudo, assistimos todos os jogos de todos os campeonatos com jogadores da seleção masculina que nos deixaram com um 7 a 1 engasgado. Enquanto a seleção brasileira de ginástica artística feminina disputava a competição classificatória para as Olimpíadas, os canais esportivos passavam a segunda divisão do campeonato inglês e jornais esportivos comentando o futebol, masculino.
Já que vocês leram esse texto até aqui, gostaria de contar que as mulheres conquistaram quase a metade das medalhas dos Jogos Pan-Americanos de Toronto (2015), falando apenas em ouros por ordem de conquista temos: Erika Miranda do judô, Ana Sátila da canoagem, Etiene Medeiros da natação, Joice Silva da luta livre, Juliana Santos do atletismo, conjunto de ginástica rítmica geral e com fitas, Yane Marques do pentatlo moderno, Patricia Freitas da vela, Valéria Kumazaki e Natália Brozulatto do caratê, equipe de handebol e de futebol. Pessoal, a lista de medalhas é longa. E aí, quantas delas vocês conhecem?
Convido todos vocês a participarem um pouco mais dessas conquistas femininas, valorizarem as equipes que trazem resultados gratificantes, atletas com garra que, assim como todas as mulheres, sofreram algum tipo de violência típica da sociedade em que vivemos. Enterrem o 7 a 1 com as vitórias do Pan de Toronto de diversas modalidades. Saibam que toda a discussão em pauta sobre a mulher e todas as suas dificuldades existem do esporte para dentro também.”
* Karina Lakerbai, 26, esgrimista, octacampeã brasileira e campeã dos Jogos Sul-Americanos de 2014 no sabre. É graduada em Ciências Sociais com bacharelado e licenciatura pela Universidade Federal de SP e trabalhou no Comitê para Democratização da Informática (CDI) e Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS)