Solonei Rocha da Silva. O nome começou a causar alvoroço em Guadalajara, no México, em 2011, quando a imprensa latina percebeu que o brasileiro liderava e venceria a maratona daqueles Jogos Pan-Americanos.
“Catador de lixo?”, perguntavam uns. “Começou a correr profissionalmente em 2009?”, indagavam outros. Todos espantados. Até mesmo para os brasileiros que estavam na linha de chegada que presenciava o 48º ouro do Brasil no Pan mexicano Solonei era uma grata novidade.
Ele chegou em primeiro, comemorou, sambou, deu entrevista em espanhol e português, disse que aquele ouro era de todos os catadores do Brasil e que nunca negaria sua origem: anos antes, por cerca de 20 meses, fora catador de material reciclado.
Um ano depois, Solonei não conseguiu a vaga para os Jogos Olímpicos de Londres-2012, mas ganhou a Maratona de São Paulo. Consolidava-se no atletismo, que ele tinha descoberto em Penápolis cerca de cinco anos antes “sem levar muito a sério”.
Hoje, com seis anos de experiência e “muito mais títulos que atleta com mais de dez anos de maratonas”, Solonei é o único brasileiro já assegurado nos Jogos do Rio. Quem garante o atleta paulista de 33 anos na Olimpíada de 2016 é a própria CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo), graças ao 18º lugar no Mundial de Pequim-2015. Segundo a entidade, quem estivesse entre os 20 primeiros e com índice olímpico, garantiria uma das três vagas brasileiras para a Rio-2016.
Sem precisar melhorar sua marca em 2016, Solonei deve correr apenas uma maratona antes dos Jogos, em abril, ainda sem local definido.
No meio desta preparação olímpica está a corrida de São Silvestre. A prova de 15 km (distância não-olímpica), nesta quinta-feira (31), a partir das 9h, é considerada pelo maratonista acostumado a correr 42 km a “mais difícil do Brasil”.
“Não dá para falar em tempo. É chutar números, loteria. É uma prova muito tática. Vai da condição do corpo de cada um no dia. Treinar forte, todos treinam. Eu treinei. Por isso mesmo há muita competitividade. A dificuldade é esta, a competitividade. Vencer os africanos na São Silvestre dá confiança. Para mim, é um teste do meu poder de fogo”, explica Solonei ao blog Olímpicos.
Esta será a terceira vez que ele estará na São Silvestre. Na primeira, em 2007, ainda era coletor de lixo em Penápolis (SP) quando correu em 56 min. Em 2009, cerca de três meses após iniciar treinamento de alto rendimento, ficou em 13º, com 47 min. Nesta quinta, quer “bater no peito” e mostrar que “o resultado vai falar por si próprio”.
Atualmente treinando em Bragança Paulista, na equipe Orcampi, com o técnico Ricardo D’Angelo (o mesmo que é treinador-chefe da seleção adulta da CBAt em competições internacionais), Solonei se viu envolvido em uma polêmica devido à classificação antecipada para os Jogos do Rio.
“Seria muita coincidência e uma tremenda burrice [se o treinador influenciasse na mudança de regras para sua classificação olímpica]. Teria que comprar metade do atletismo para dar certo. Isso é fora de cogitação”, irrita-se Solonei que prefere destacar o seu sacrifício para conseguir o índice para o Mundial e, na Rússia, conseguir a vaga na Rio-2016.
“O treino para maratona é muito desgastante. Chego a correr mais de 200 km por semana. Por isso só dá para fazer uma prova de três em três meses. O ideal é uma a cada seis meses. Desisti do bi no Pan para correr bem no Mundial. E sabia que tinha muita chance de ouro em Toronto”, explica o maratonista que este ano correu apenas em Milão e Moscou (Mundial).
Desde novembro de 2013 treinando Solonei, D’Angelo explica que “a CBAt é soberana na elaboração dos critérios de seleção de atletas para eventos como Jogos Olímpicos. A IAAF determina índices mínimos de inscrição, mas as confederações inscrevem os atletas de acordo com suas regras, por exemplo: por muito tempo a CBAt estabeleceu índices mínimos de participação em Campeonatos Mundiais e Jogos Olímpicos mais fortes que aqueles estabelecidos pela IAAF, nem por isso, os atletas brasileiros que na ocasião alcançaram as marcas IAAF ganharam o direito de participar de Mundiais e Olimpíadas. Essa é uma política da CBAt, baseada nas regras pré-estabelecidas da IAAF”.
Ele também diz desconhecer qualquer “reclamação formal” a respeito da classificação de Solonei para a Rio-2016. “Apenas especulações no Facebook de atletas que não concordam com o critério de classificação da CBAt”, diz.
“Concordar ou não com determinado critério é um direito de qualquer atleta, entretanto, o que deve ser considerado é que tais critérios foram prévia e amplamente divulgados pela CBAt e todos eram cientes do mesmo. Dessa forma, no meu entendimento, não cabe reclamação a regra depois de iniciado o prazo de obtenção dos índices. Entre o período de divulgação dos índices até o momento que Solonei classificou-se por alcançar a 18ª posição em Pequim não houve nenhuma reclamação, por que só agora?”, completa D’Angelo.
O treinador também se defende de insinuação em relação ao favorecimento a seu atleta. “A propósito, embora atue como treinador-chefe nas seleções adultas da CBAt, atividade esta restrita aos períodos de realização dos eventos, a prerrogativa de elaboração dos critérios de seleção de atletas para eventos internacionais é da Superintendência de Alto Rendimento daquela confederação”, conclui.
No último dia do ano, os dois podem comemorar na avenida Paulista. O foco, porém, já estará nas ruas do Rio de Janeiro em 2016.