Faça-se chama. E a chama foi feita.
Naquele instante em que o fogo olímpico passa a pertencer somente a você, condutor da tocha, apenas aquela luz guia seus passos.
Como não olhá-la com paixão? É fogo! Não importa se minutos antes estava chovendo. Nada pode apagar a chama olímpica.
Outras luzes de câmeras de vídeo e foto tentam chamar a atenção. Mas naqueles poucos segundos o sorriso é só para ela.
Você pode até tentar caminhar para ficar mais tempo empunhando o símbolo olímpico. Alguém vai lembrá-lo que aquele é um revezamento, que 12 mil pessoas vão levá-la ao Rio, a chama é de todos.
São 200 metros. E não podia haver lugar mais distante para eu ser um dos condutores da tocha olímpica do Rio.
Em Boa Vista, capital de Roraima, única cidade brasileira deste revezamento a ficar totalmente no hemisfério norte, mesmo sozinho naquele minuto, nunca me senti tão próximo do amor que sinto pelos meus familiares, amigos e pelo esporte. Estavam todos ali, juntos, comigo.
E o Brasil estava representado ali. Índios, negros, brancos em quaisquer de suas misturas se uniram para levar o espírito olímpico a mais pessoas, a mais Estados, ao país sede dos Jogos.
Obviamente que todos os atletas olímpicos brasileiros deveriam estar no revezamento. Os limpos do doping, ao menos. Mas é emocionante ver uma gari, um empresário, uma colunista social, um militar, um Dj, todos juntos transmitindo amizade, respeito e diversidade nas ruas.
Ajoelhar, correr, saltar. Chorar? Contra as minhas expectativas, não chorei (ainda). Desde o convite há alguns meses até segundos antes de a chama chegar à sua tocha, todas as ideias são possíveis. Cantar Luiz Gonzaga ou fazer aviãozinho? Apenas não cair. Mais forte, mais alto, mais rápido? Mais feliz.
De repente, acaba. Não é possível calcular quanto tempo durou, quantos metros correu, o que realmente você fez. O momento transcende o racional.
Acabou, a chama seguiu com outro condutor. O coração dispara. Talvez já estivesse em ritmo acelerado. Mas apenas naquele instante é possível percebê-lo tocando no ritmo de uma escola de samba, como a que esteve no meu trajeto no centro da capital do único Estado brasileiro que ainda não teve um atleta nos Jogos Olímpicos.
Se faltam atletas, a partir de agora não falta mais inspiração. Nunca antes na história do país fui tão fotografado. Seja dentro ou fora do microônibus que leva os condutores aos seus pontos pré-determinados, a tocha atrai olhares e flashs.
Crianças no colo, selfies, “deixa eu segurar a tocha” e todo tipo de pedido será feito ao condutor. Graças às coordenadas geográficas, ouvi pedidos em três línguas, de novos fãs olímpicos de ao menos quatro países –Guiana, Venezuela, Holanda e, claro, brasileiros de Sul a Norte.
Nestas cerca de três horas dedicado a achar o ponto de encontro, pegar o uniforme, trocar de roupa, pegar o transporte, ouvir a paciente e alegre explicação de como tudo funciona, conduzir a chama, voltar para o microônibus, receber a tocha de volta e aí, apenas aí, entender tudo o que aconteceu… ufa… é saber que naquele minuto você ajudou a escrever a história.
Como se aquela chama na flecha de Barcelona ainda estivesse viajando, encontrasse no caminho Muhammad Ali e Cathy Freeman, voasse por Atenas, Pequim e Londres, aquecesse todas as suas lembranças olímpicas e, enfim, chegasse à sua mão. E ali você ajuda a entregá-la ao Rio, na união de fogo e paixão.
O repórter MARCEL MERGUIZO viaja a Boa Vista (Roraima) a convite do Bradesco