Chame gente

Por Paulo Roberto Conde
Tochas emparelhadas para serem distribuídas em Manaus (Crédito: Paulo Roberto Conde/Folhapress)
Tochas emparelhadas para serem distribuídas em Manaus (Créditos: Paulo Roberto Conde/Folhapress)

O 1min30s que passei com a tocha olímpica em minhas mãos ao longo de 200 m na av. Floriano Peixoto, no centro velho de Manaus, sob sol inclemente de 31ºC neste domingo (19), foi imperceptível.

Confesso que me peguei em meio a um vazio, um escape. Envolto em tantos preparativos antes de recebê-la, na hora “H” me vi privado de sensações. Havia emoção, é claro, mas também desorientação.

Acho que o mais honesto é contar o que penso agora que vivi essa experiência, limitada a 12 mil condutores em um país cuja população extrapola as 200 milhões de almas.

O combinado era estar às 10h30 no ponto de encontro da minha turma, o Mercado Municipal Adolpho Lisboa, encravado no centro histórico, em construção do século 19.

Cheguei antes, porque assim mandou o nervosismo. Preocupava-me onde deixar as vestes, uma vez que os condutores recebem um uniforme padrão com logomarca da Rio-2016 e do fornecedor de material esportivo.

Tolice pura. Entregaram-me, de pronto, um kit com sacola para deixar tudo. Uma senhora que também levaria a chama, moradora de Manaus, ofereceu-se para guardar as coisas. Não se preocupe, disse ela, minha família toda veio ver.

Veio ver, no caso, significou fretar um micro-ônibus para transportar mais de 30 pessoas de seu “fã-clube oficial”.

Troquei-me em um banheiro que se tornou vestiário improvisado no mercado, e me senti confortável com a roupa.

Fiz bem, acho, de pedir uma numeração maior, parte em razão do peso, admito, mas mormente pelo calor. Sentir-se à vontade era uma necessidade.

Era hora de conhecer a tocha, ficar perto. O contato com aquela peça de plástico e metal, pouco mais de 1 kg, transportou-me diretamente para a década de 1930. Ou, mais precisamente, o ano de 1936.

Momento de concentração para passar os procedimentos aos condutores
Momento de concentração para passar os procedimentos aos condutores

O alemão Carl Diem, figurão do Movimento Olímpico (foi quem criou a Academia Olímpica Internacional), teve a ideia de criar o revezamento da tocha antes dos Jogos de Berlim.

Era um período agitado, de ascensão do Reich da propaganda de Adolf Hitler, que todos sabem no que deu, e de luta por sobrevivência do Comitê Olímpico Internacional.

O pai da era moderna dos Jogos, Pierre de Frédy (o barão de Coubertin), já não presidia mais a entidade e sofria de problemas graves de saúde –morreria em 1937. O Movimento Olímpico ia na mesma toada.

Os Jogos, nem em sonho, tinham a mesma relevância e internacionalização de hoje. Na maioria das vezes, passavam batido nas cidades que os sediavam. Para Diem, envolver mais as pessoas era a solução.

Depois de desfilar com a tocha, passei a concordar.

As pessoas criam ou se apegam a símbolos para acreditar. Eles cumprem um papel, preenchem um vazio, são salvação.

A tocha, de certa forma, foi uma salvação para o Movimento Olímpico, porque quebrou a aura aristocrática do COI e dos Jogos, tão cheios de pompas e protocolos, e aproximou do contato público.

Foi essa ligação o que mais me tocou neste domingo.

Como na hora em que vi que, ao meu lado, uma condutora de Brasília, outra do Uruguai e tantos de Manaus.

Na concentração dentro do mercado, as pessoas se acotovelaram, pediram “pelo amor de Deus” para fotografar ou tocar a tocha, mesmo sem tanta noção do que é a Olimpíada.

Em dado momento, parecemos astros do pop, mas anônimos. Ninguém sabia nossos nomes, mas pediam fotos para as pessoas que estavam lá por causa da “tal da Rio-2016”.

Ao mesmo tempo em que constrangeu um pouco, porque afinal de astros nós não temos nada, foi o maior barato.

Já na rua, me posicionei próximo a um poste onde estava colado meu número de inscrição (69). Era questão de instantes até receber a chama.

Mas, nestes breves momentos, posei para fotos com mulher com cachorro, homem, menino, menina, família inteira, casal.

“É isso aí, campeão”, gritou um popular que corria ao lado dos condutores. Foi das poucas coisas que ouvi enquanto levava a chama. Na hora deu um branco, só me lembro de agradecer pelo apoio, a esmo.

Tudo passou muito rapidamente, como num flash.

Fui indagado por pessoas próximas, depois de tudo acabado, sobre se chorei. Não.

A ocasião pedia um sorriso.

 

Com a tocha olímpica em mãos, antes de correr
Com a tocha olímpica em mãos, antes de correr