‘O esporte deu visibilidade à pessoa com deficiência’, diz Clodoaldo Silva

Por Marcel Merguizo

Grande homenageado entre os atletas na cerimônia de abertura dos Jogos Paraolímpicos, nesta quarta-feira (7), ao acender a pira no Maracanã, Clodoaldo Silva, 37, é um dos grandes responsáveis pela popularização do esporte para deficientes no Brasil. Um dos esportistas mais divertidos e de bem com a vida do país, ele concedeu este depoimento, abaixo, ainda inédito, ao blog Olímpicos em março deste ano, no qual explica que quase desistiu há quatro anos.

Explica-se: desde 1998, Clodoaldo competia na classe S4 (as classificações vão de 1, a de maior comprometimento, a 10, a de menor). Assim conquistou a maioria de suas medalhas (seis ouros, 13 no total) olímpicas em Sydney-2000 e Atenas-2004.

Em Pequim-2008, porém, foi reclassificado para a S5. Reclamou, mas foi mantido na classe em que, diz, os atletas tem “funcionalidade maior” do que a dele. “Eu saio de cima do bloco, mas não tenho impulso. Eles têm. Eles têm também ondulação e virada olímpica, eu não”, explicou.

Clodoaldo teve paralisia cerebral, devido à falta de oxigenação durante o nascimento, o que afetou os membros inferiores na questão da coordenação motora. “Minha deficiência é estável e vai ficar pior, a idade me deu duas hérnias de disco, contraídas porque passei para a classe acima. Fisicamente eu consigo, mas fica complicado competir de igual para igual, porque o esforço é maior”.

Confira, abaixo, o depoimento de Clodoaldo Silva:

Clodoaldo Silva acende a pira paraolímpica no Maracanã (Zanone Fraissat/Folhapress)
Clodoaldo Silva acende a pira paraolímpica no Maracanã (Zanone Fraissat/Folhapress)

“Já tenho 13 medalhas em Paraolimpíadas, a do Rio será minha quinta edição dos Jogos, e quero pendurar minha sunga.

Mas pensei em parar em 2012, em Londres.

O que aconteceu: eu estava no auge da minha forma mas, um mês antes, acabei me lesionando na academia. Corri o risco de ser cortado. Briguei com CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro) para estar em Londres, mesmo sabendo que minhas chances eram reduzidas.

Atleta quer estar bem, mesmo que saiba que não vai conseguir medalha. Minha melhor colocação foi um lugar quarto nos 50 m livre.

Saí frustrado não porque não ganhei medalha, não porque perdi para o cara do lado, mas porque perdi para a lesão (no ombro esquerdo, quando estava levantando 110 kg na academia, em 2012, um mês antes dos Jogos).

Não aposentei pela pressão, no bom sentido, da seleção e das milhares de mensagens que recebi. E, principalmente, por ser esta a Paraolimpíada no Brasil.

Minha filha (Anita) nasceu em 2011 e, em 2012, tinha menos de um ano. Imaginei: em 2016, com cinco anos (ela vai ter 4 anos na Paraolimpíada, em setembro), no Brasil, quero ter essa emoção.

Desde os 2 anos e meio ela fala “vai papai”. Ela chega e diz: “Papai, quando você for nadar, você vai ganhar o ursinho (mascote) pra mim e a medalha para a mamãe”.

Sei da minha responsabilidade dentro e fora da água.

Quando comecei em 1998, o esporte paraolímpico não tinha visibilidade, não tinha investimento, a sociedade brasileira não sabia o que era.

Em 2004 foi um divisor de águas, o Brasil ganhou 14 medalhas de ouro, eu ganhei seis de ouro e uma de prata em Atenas. O Brasil começou a conhecer os atletas. Ali me tornei um grande referencial, um ícone não só do movimento esportivo, mas das pessoas com deficiência.

Veio investimento, visibilidade, surgimento de novos atletas da natação, como André Brasil e Daniel Dias, na natação, como Alan Fonteles, no atletismo, e outros em tantas outras modalidades que não tinham visibilidade.

Sabendo de tudo isso, porque não ficar mais quatro anos? Depois me aposento.

Vai ser o Clodoaldo que quer fechar com chave de ouro uma trajetória que começou em 1998.

Quero curtir todos os momento. Sei da responsabilidade. Acho que vou contribuir muito mais como atleta na Paraolimpíada do que como dirigente.

Quando falo em fechar com chave de ouro não necessariamente é estar no lugar mais alto do pódio.

As Paraolimpíadas tem um recado para toda a sociedade brasileira: as pessoas com deficiência não são coitadinhas, não precisam de piedade, precisam de oportunidade, ter suas leis respeitadas.

Espero que esse seja o maior legado dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos: a questão educacional, cultural e social para a sociedade.

Foi o esporte que deu visibilidade e por ele os governantes começaram a ver que tem que dar boas condições para a pessoa com deficiência. Todos somos consciente da nossa missão.”

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